Dona Maria, 82 anos, viúva, possui dois filhos e, atualmente, vive sozinha. Apesar de sua independência e rotina aparentemente intactas, sua filha mais próxima, que a visita uma vez por semana, começou a notar algo diferente.
Durante os encontros, as conversas com Dona Maria passaram a revelar algo intrigante: ela contava uma mesma história duas a três vezes, como se fosse a primeira vez que as contava. Além disso, demonstrava certa confusão com eventos passados, como mencionar que havia feito exames médicos como se tivesse sido algo recente, mas que, na verdade, tinham sido feitos já há cinco anos.
O episódio que mais alarmou a filha, no entanto, foi um telefonema inesperado da polícia. Dona Maria havia se envolvido em uma discussão com as funcionárias de um mercado próximo à sua casa, gerando preocupação nos vizinhos. No meio da confusão, houve até comentários sobre abandono da idosa pela família. O susto foi suficiente para que a filha tomasse uma decisão: era hora de procurar ajuda especializada.
Na consulta geriátrica, as preocupações ganharam contornos mais definidos. Após uma conversa detalhada, realização de exames laboratoriais e aplicação de testes cognitivos, os resultados começaram a apontar para um diagnóstico difícil, mas esclarecedor: Demência na Doença de Alzheimer.
Foi então que a filha da paciente trouxe uma pergunta inquietante: Dona Maria poderia continuar vivendo sozinha diante do diagnóstico?
O caso descrito acima é algo frequentemente vivenciado por familiares e pacientes quando recebem o diagnóstico de um quadro demencial. Quando a pessoa estava acostumada a morar sozinha e já não pode mais fazê-lo devido a possíveis riscos para a sua saúde e bem estar, passar a morar com outras pessoas pode ser uma decisão difícil para todos.
Pessoas com demência passam por vários estágios entre a independência completa e voltar a morar na companhia de alguém. Se uma transição gradual for possível, isso poderá ajudar no processo de adaptação. No início, pode-se contar com a ajuda de vizinhos, um membro da família ou um cuidador contratado para passar parte do dia com a pessoa, auxiliar na tomada de medicamentos ou no preparo das refeições.
Quando suspeitar que uma pessoa que mora sozinha está desenvolvendo demência?
É frequente que familiares não percebam o declínio da capacidade de realizar tarefas pelo familiar que vive sozinho à medida que isso vai ocorrendo de forma gradual até que algo mais grave aconteça. A própria pessoa com demência pode não perceber que tem problemas acontecendo. Por isso, é importante estar atento a alguns detalhes:
Mudança na personalidade e nos hábitos:
- A pessoa está mais retraída, apática, negativista ou desconfiada que o normal?
- A pessoa insiste em afirmar que está tudo bem quando na verdade estão ocorrendo problemas?
- Está havendo falha na higiene pessoal – passa a usar roupas sujas, esquece de tomar banho ou escovar os dentes?
Telefonemas:
- As conversas são vagas, com poucos detalhes?
- A pessoa parece esquecer-se do que estava dizendo?
- Ela está mais irritadiça que o normal?
- Ela repete a mesma história a cada conversa, como se fosse novidade?
Refeições e medicamentos:
- Está havendo falha na tomada de medicamentos – tanto para mais quanto para menos?
- A pessoa está deixando de fazer refeições ou com preferência por doces em detrimento de refeições salgadas?
- Está se esquecendo de desligar o fogão ou deixando a comida queimar?
Ambiente:
- O ambiente em que a pessoa está limpo? A pessoa se esquece de lavar louças, dar descarga no banheiro ou outras situações insalubres?
Vestimenta:
- A pessoa está usando roupas apropriadas para a temperatura – frio ou calor?
Manejo das finanças:
- A pessoa está doando dinheiro a causas questionáveis?
- Fez dívidas recentemente?
- Comprou itens desnecessários (ex: ter duas geladeiras quando se vive sozinho)?
- Envia várias vezes doações à mesma instituição por ter se esquecido de que já doou?
- A água ou luz foram cortadas por esquecimento de pagar a conta?
O que fazer quando se suspeitar de alguma alteração como as citadas acima?
- Converse com os vizinhos e outros familiares para saber o máximo possível de informações;
- Forneça às pessoas próximas ao paciente o seu telefone e peça que entrem em contato se notarem algo que considerem que você deveria saber;
- Visite a pessoa para avaliar a sua situação;
- Procure atendimento especializado em idoso para avaliação clínica;
- Diga a seu familiar que sofre os sintomas de confusão que você está preocupado com ele e que estará se comunicando com ele constantemente.
Como fazer a mudança para uma nova residência, após se diagnosticar um quadro demencial:
- Considerar alternativas: contar com a presença de acompanhantes em tempo integral, mudar para a casa de alguém próximo (filhos, irmãos) ou para uma casa de repouso;
- Essa mudança pode não ser tão fácil no início. A pessoa que está confusa pode se recusar à mudança por entender que a transição entre uma vida autônoma e morar com mais alguém pode significar abrir mão da independência e admitir a sua incapacidade. Além disso, significa abrir mão de um lugar que conhece bem e de pertences com os quais a pessoa está familiarizada;
- Analise com cuidado as alterações que a mudança pode trazer para sua própria vida. Planeje de antemão os recursos financeiros e os apoios emocionais de que você dispõe – procure saber o que o restante da família pensa; pode diminuir o tempo para o lazer; pode ter despesas médicas maiores; pode ter prejuízo do repouso (a pessoa com demência pode ficar acordada andando pela casa); o paciente é alguém com quem você consegue conviver? Se a relação sempre foi ruim, a dificuldade de relacionamento pode complicar a situação;
- Envolva o paciente ao máximo nos planos para a mudança, mesmo que ela se recuse a mudar – a pessoa com demência ainda deve participar das decisões; pessoas que são enganadas no momento de se mudar podem ficar tão furiosas e desconfiadas tornando a adaptação ao novo ambiente extremamente difícil;
- Esteja preparado para um período de adaptação: se a pessoa com demência se mudar antes de sua doença se tornar mais grave, talvez se sinta mais capaz de se adaptar ao novo ambiente. Colocar placas indicativas nas portas podem ajudar as pessoas a se orientarem melhor em uma casa em que não estejam familiarizadas;
- Algumas pessoas com demência nunca se adaptam à mudança. Se isso acontecer, não se culpe. Você fez o melhor que pôde e agiu em prol do bem-estar da pessoa. Terá que aceitar a incapacidade dela se adaptar como algo decorrente da própria doença.
Está vivendo algo semelhante na sua família? Procure a ajuda de um geriatra.
Fonte: Alzheimer – O dia de 36 horas – Cuidando de quem tem e de quem cuida